segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Fique por dentro da EDUCAÇÃO!

REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 100
Marisa Vorraber Costa
professora da Universidade Luterana do Brasil
e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Qual balanço você faz sobre a situação da educação básica no Brasil nos dias atuais? Estamos melhores ou piores do que nos últimos anos?

É difícil fazer um "balanço" sob o ponto de vista qualitativo, quando nosso contato mais direto com a educação básica se dá em uma posição geográfica específica. Por esse motivo, no meu caso, não se trata de fazer um balanço, mas de expor algumas percepções. Quero dizer com isso que o que penso sobre o estado atual da educação básica advém das impressões que tenho a partir do contato com escolas do Rio Grande do Sul, particularmente de Porto Alegre e arredores. Embora eu acompanhe os murmúrios oriundos de outros locais, e não só do Brasil. Do meu ponto de vista, a educação básica escolar tem sido um dos grandes problemas do mundo contemporâneo. Com isso não quero isentar a educação brasileira, mas sim mostrar que tudo depende do que se espera como resultado da educação: pessoas bem informadas, competentes em alguns campos de conhecimento, que sabem viver e conviver, capazes de exercer responsabilidade social e de fazer prevalecer virtudes de caráter como confiança, respeito, comprometimento e ajuda mútua; ou sujeitos ultra-especializados e competitivos, com cérebros potencializados para alavancarem a tal sociedade "avançada" do futuro? Bem, há infinitas nuances entre esses dois extremos, e meu objetivo é apenas chamar a atenção para o fato de que os tais rankings internacionais que mobilizam tanto os meios de comunicação, a opinião pública e as políticas nacionais relativas à educação têm validade muito relativa, uma vez que as metas previstas para a educação são muito diferentes e estão intrinsecamente vinculadas à cultura e aos projetos políticos de cada país. Assim, as comparações e os rankings, a meu ver, servem apenas para fortalecer a hegemonia de determinados padrões, mas não ajudam a pensar as peculiaridades da educação dos países em particular. Aliás, penso que até prejudicam, porque acabam desencadeando esforços em direções equivocadas. Penso que a educação básica brasileira vem tendo muitos problemas e deixando muito a desejar já desde os meados dos anos 70, e boa parte desse declínio de qualidade deu-se em virtude da incapacidade governamental de enfrentar o imenso desafio da universalização da escola e suas conseqüências. Colocar todas as crianças dentro da escola é um grande, desejável e admirável empreendimento político-social, mas ele resolve apenas parte do problema. A outra, que é oferecer uma boa educação para quem está na escola, precisa de esforços certamente ainda maiores, porque exigem persistência e continuidade, além de um leque de iniciativas em diferentes direções. E aí desponta uma das nossas grandes falhas − não reconhecer que tudo que se investe na escola precisa ser igualmente investido nas professoras e em sua formação inicial e permanente. Não se faz uma boa educação básica sem boas professoras. Também não se faz uma boa educação se as crianças têm fome e frio, se não têm livros para ler ou cadernos para escrever; e se as professoras não têm onde deixar seus próprios filhos enquanto vão ensinar os filhos e as filhas dos outros. E também não se faz uma boa educação com os salários ridículos e indecentes que são oferecidos ao magistério! Tudo isso é um somatório e estamos cada vez piores em todos os itens! Em conseqüência, temos uma educação também cada vez pior.

Quais são os pontos mais frágeis da educação no país? O que você crê que seja necessário para mudá-los?
Penso que um dos pontos mais frágeis da educação no país está na conjunção entre formação de professores e a remuneração vergonhosa que é oferecida a esses profissionais. Se não melhorarmos a remuneração, essa carreira atrairá crescentemente pessoas com menor nível de educação e preparo. A imensa proliferação de universidades privadas comerciais, oferecendo cursos de formação para o magistério a preços de liquidação, é uma evidência disso a que me refiro. Para esses cursos é atraído aquele enorme contingente de pessoas que, devido às suas limitadas possibilidades de preparo intelectual, não aspiram a carreiras de maior prestígio e remuneração. Elas sabem que nessas carreiras o ingresso é competitivo e excludente e suas chances inexistem. Assim, dirigem-se aos cursos baratos mencionados, em instituições cujo prestígio, competência e seriedade são muito discutíveis. Nestas, as pessoas fazem um curso noturno, depois de longas jornadas de trabalho diárias, sucedidas de deslocamentos por grandes distâncias. Freqüentam o curso de forma irregular, permanecendo nas aulas o tempo estritamente necessário para captar meia dúzia de informações e orientações sobre tarefas, retornando às suas casas tarde da noite, a preparar-se para a jornada do dia seguinte, igualzinha a essa que acabei de descrever. Quando estudam? Quando lêem textos? Quando preparam tarefas para a faculdade? Nos fins de semana, quase sempre apenas no domingo (e nem em todos eles!), no tempo roubado à família, ao cônjuge, às tarefas domésticas e à vida pessoal. Onde e como estudam? Em locais exíguos, em textos fotocopiados da pior qualidade (não têm dinheiro para comprar livros e as bibliotecas são péssimas!), em geral com a TV ligada para conter as crianças a sua volta. Quando vão ao cinema, ao teatro? Quando lêem jornais, revistas ou assistem à televisão? Quando lêem livros? Quando participam de palestras, debates ou refletem sobre o que lêem? Praticamente nunca! Alguém de sã consciência pode imaginar que em trajetórias desse tipo se pode formar uma boa professora? E imaginem que a imensa maioria dessas pessoas que chegam hoje aos cursos de formação descritos já são aquelas que passaram pela problemática e precária escolarização básica e secundária dos anos 80 em diante. Deve-se ainda ressaltar que tais cursos concentram hoje a maior fatia na preparação dos quadros docentes dos próximos anos.
O outro ponto frágil, a meu ver, é a ainda reduzida abrangência da educação infantil (ou educação pré-escolar), que tem pelo menos duas repercussões importantes: a) a falta de um local seguro e adequado para o imenso contingente de mulheres que estudam e trabalham deixarem seus filhos pequenos minimamente atendidos; e b) a falta de um ambiente adequado para as crianças pequenas (0 a 6 anos) permanecerem seguras, atendidas e orientadas. Quem tem educado milhões de crianças pequenas brasileiras é a televisão, com seus programas infantis de péssima qualidade e propagandas de toda sorte que disseminam a violência, o consumismo e a banalização de quase tudo.
Que fazer para reverter esse quadro? Só há uma prescrição: projetos e políticas sociais lúcidas, e o mais importante: vontade política e determinação para concretizá-los.

Para você, o que é ser um bom professor nos dias atuais? Que concepções mudaram em relação ao passado?
Essa é a pergunta mais fácil de ser respondida! Um bom professor ou professora hoje é exatamente o bom professor e a boa professora do passado. Por quê? Porque o requisito básico é estar preparado para ajudar as pessoas a compreenderem o tempo e o mundo em que vivem e se tornarem seres humanos produtivos, solidários, felizes e realizados dentro dele. O que mudou hoje é que o mundo e a vida tornaram-se espantosamente mais complexos, mais sofisticados. Dar conta desse requisito básico de compreender o mundo acaba sendo o maior desafio de todos. Hoje não se trata simplesmente de transmitir conhecimentos básicos e ensinar regras de conduta e moral, trata-se de que o mundo mudou de uma forma nunca antes imaginada, exigindo saberes muito diferenciados, e os recursos de que dispúnhamos se tornaram completamente obsoletos. As novas tecnologias da comunicação e da informação mudaram a face do planeta e os problemas com os quais nos deparamos hoje são completamente novos. A tal ponto isso mudou, e é tão radical a diferença na natureza dos problemas que pessoas comuns como nós precisam enfrentar e resolver que estamos perplexos. Crianças pequenas que recém-entraram na escola já conseguem operar melhor no universo tecnológico em que vivemos do que boa parte de seus pais e professores. Crianças e jovens de classes populares (e das outras também) estão mais bem preparados para viver e sobreviver nos imensos aglomerados humanos das grandes metrópoles do que pessoas adultas. Às vezes, nos surpreendemos incapazes de decifrar certos textos televisivos, certas propagandas, certos jogos, certos filmes, certas práticas, certos comportamentos, certas "mensagens", exatamente porque elas fogem inteiramente ao nosso universo de referência. Há uma outra gramática cultural em andamento. Esse é o maior desafio de todos para a educação de hoje. Quem duvidar disso precisa olhar para fora da sua casa e do seu mundo e tentar enxergar o que vê. Compreender já é outro assunto.Finalmente, não posso deixar de sublinhar que, do meu ponto de vista, educação não é exclusivamente responsabilidade do governo de cada país e de algumas instituições. Educação é projeto e responsabilidade de um povo. De nada adiantaria termos instituições maravilhosas se em nossa casa não ensinamos nossos filhos, irmãos, netos, sobrinhos, enteados a se comportarem adequadamente, respeitarem os outros e conviverem com solidariedade, igualdade e justiça. Pouco adianta a escola ensinar a ler, a comer corretamente, a ouvir os outros, a estudar com atenção etc. etc., se as práticas da vida doméstica cotidiana das crianças e dos jovens apontarem noutra direção. Infelizmente, parece que nos dias de hoje nossa maior preocupação é ensinar nossos filhos a competirem em um mundo que, dizemos, é regulado pela lei do mais forte, do mais rápido, do mais ágil, do mais esperto, do que fala mais alto, e assim por diante. Tudo isso porque, argumenta-se, é preciso aprender a viver neste mundo para vencer dentro dele e conseguir sucesso, único caminho para uma boa vida. Todas elas, premissas profundas e amplamente discutíveis.

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